Em
entrevista sobre a proposta de reforma da Previdência, já em fase de debates em
comissão especial instalada na Câmara dos Deputados, o analista político e
diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio
Augusto de Queiroz, afirma que a reforma promove um desmonte de direitos do
contribuinte. Para ele, “a população vai se dar conta do quanto essa reforma é
dura, e que estão querendo fazer o ajuste somente em cima de assalariados, de
segurados da Previdência e de quem vive de prestação do Estado. Aí a pressão vai ser de
tal ordem que os parlamentares tenderão a modificar a proposta, tirar os seus
efeitos mais perversos”.
O compromisso do governo
é, principalmente, com os credores da dívida pública e o mercado de previdência
privada. Queiroz diz que o aumento da contribuição para 49 anos, além da idade
mínima para requerer aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres, são
reflexos da linha política-ideológica de Temer. “O Michel Temer foi levado à
condição de presidente da República para alterar a agenda do governo anterior,
que era tida como intervencionista na atividade econômica, para fazer
privatizações e um ajuste fiscal que levasse ao equilíbrio das contas públicas.
Mas, como todo liberal e fiscalista, ele sempre busca, nesses ajustes,
favorecer mais o capital do que o trabalho. O trabalho é sempre mais
penalizado”, diz.
Segundo Queiroz, a
proposta é excessivamente “dura, draconiana”, por não considerar a realidade do
contribuinte brasileiro, em que muitos morrerão antes de poder usufruir os
benefícios previdenciários. “Para que o segurado do INSS (Instituto Nacional de
Seguridade Social) possa ter 100% da média de contribuição que ele fez no seu
benefício, ele precisa comprovar contribuição por 49 anos. E aí, como segurado
do INSS, no setor privado, a cada 12 meses ele fica três para contribuir – por
informalidade, por desemprego etc –, ele iria precisar de 64 anos e meio para
comprovar os 49 anos de contribuição. Ou seja, ele não estaria vivo para
usufruir da aposentadoria dele. É uma regra muito dura”, explica.
Diálogos Congresso em
Foco
O Diálogos Congresso em
Foco é uma iniciativa que aposta na troca de ideias entre instituições e
entidades como caminho para o país sair da profunda crise em que se encontra.
Em 2017, o fórum de discussões entra em seu segundo ano na expectativa de
tratar de temas como a formação política da sociedade, o papel dos meios de
comunicação, medidas de combate à corrupção e ao desemprego, a gestão das
finanças públicas etc. Para participar do debate e registrar a sua opinião por
meio de comentários, acesse a página do Diálogos no Facebook ou envie suas
contribuições em texto, vídeo ou áudio para o email: dialogos@congressoemfoco.com.br
Leia a íntegra da
entrevista,
Congresso em Foco – De
que maneira as discussões do Diálogos Congresso em Foco podem ser úteis no
debate sobre a reforma da Previdência?
Antônio Augusto de
Queiroz – A primeira contribuição que o fórum pode dar, em
debate como este da reforma da Previdência, é chamar a atenção para que, de
fato, há um desequilíbrio nas contas públicas. E que, portanto, há a
necessidade de um ajuste no orçamento dos governos federal, estadual e
municipal. O que se deve ter presente nisso é que esse ajuste, que vai implicar
sacrifícios, seja feito distribuindo esses sacrifícios entre todos os agentes
econômicos e sociais do país, e não apenas um segmento em particular. E que
esse sacrifício seja proporcional à capacidade contributiva de cada um.
Porque o que se nota, no
caso específico da reforma da Previdência, é que vem uma reforma muito dura, e
para dar efetividade à Emenda à Constituição 91, aquela que congelou o gasto
público em termos reais, mas só congelou a parte do gasto de despesas não
financeiras. O que for economizado com despesas não financeiras se converterá
em superávit e, em consequência, será utilizado para amortizar a dívida e pagar
os juros. O titular ou credor de título público está blindado. Com esse ajuste,
ele só ganha. Não perde nada, não participa desse sacrifício.
Há quem diga que o governo mente quando diz que a
Previdência é deficitária. Quem está com a razão?
Na verdade, o governo
usa, para demonstrar que há insuficiência no financiamento da Previdência, ou
déficit, apenas as contribuições de trabalhadores e empregadores sobre a folha.
Ora, em um momento de recessão, em que o PIB (Produto Interno Bruto) teve uma
contração da ordem de 7%, é claro que as receitas desses campos diminuem,
porque têm 12 milhões de desempregados. E o governo utiliza só essa fonte,
utiliza essa fonte sem considerar as renúncias, as isenções, e a não cobrança
da dívida ativa da Previdência.
E desconsidera ainda,
solenemente, as receitas do Tesouro, as receitas da seguridade, não inclui
PIS/Cofins, contribuição sobre o lucro líquido (CSLL), jogos de azar… Tudo isso
vai, também, compor o orçamento que atinge a Previdência. Então, o primeiro
aspecto é esse: excluir esses pontos, não considerar outras receitas.
De fato, a Previdência –
em função dos critérios financeiros e atuarial, do crescimento demográfico,
dessa mudança na pirâmide etária – vai requerer algum tipo de ajuste. Mas o
problema é que está se fazendo sobre os atuais segurados, quando (reforma na)
Previdência se faz, geralmente, para os futuros segurados, para frente, com
regra de transição muito generosa em relação a quem está.
A escolha de Carlos Marun
(PMDB-MS), aliado do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para presidente
da comissão da reforma da Previdência causou certo frisson na Câmara, em razão
do estilo contundente que o deputado tem apresentado. O que isso pode
representar para a tramitação da proposta?
Antes de falar,
especificamente, sobre a tramitação da proposta, eu queria falar mais alguma
coisa sobre mérito. É o seguinte: a proposta está ampliando o tempo na
atividade laboral antes da aposentadoria. E todos os países que em função de
uma mudança na Previdência as pessoas vão permanecer por mais tempo em atividade
fazem programas de inclusão digital para idosos, de capacitação continuada, de
saúde ocupacional. Buscam adaptar os cargos e os horários, flexivelmente, de
tal modo que acomode idosos, a redução do preconceito e a melhoria do
transporte público. No Brasil, em relação a esses pontos, o que tende a ocorrer
é o contrário, por força do congelamento dos gastos públicos. Ou seja, você
retém o cidadão por mais tempo trabalhando, mas não lhe dá condições de
trabalhar com a dignidade necessária frente à idade da pessoa.
Outro aspecto é o
seguinte: para que o segurado do INSS possa ter 100% da média de contribuição
que ele fez no seu benefício, ele precisa comprovar contribuição por 49 anos. E
aí, como segurado do INSS, no setor privado, a cada 12 meses ele fica três para
contribuir – por informalidade, por desemprego etc –, ele iria precisar de 64
anos e meio para comprovar os 49 anos de contribuição. Ou seja, ele não estaria
vivo para usufruir da aposentadoria dele. É uma regra muito dura.
E em relação aos 65 anos
para homens e mulheres?
Fazendo (a aplicação das
mudanças) de forma gradual, não há problema. O problema é que você pega, por
exemplo, os trabalhadores rurais. Hoje, mulher trabalha 55 anos, e homem, 60.
Vai aumentar para 65 anos para o trabalhador rural – aumenta dez anos (de
contribuição) para a mulher. No caso do professor, vamos aumentar 15 anos para
mulher, para a professora. Vai tirar a aposentadoria especial do policial, que
é atividade de risco. Vai haver uma série de mudanças. Outro exemplo: a idade
mínima exigida para assistência social vai ser de 70 anos, e um valor que pode
ser menor do que o salário mínimo. Então, são muitas mudanças que muita gente
não vai ter sobrevida para poder usufruir.
E quanto à tramitação,
com Carlos Marun?
O governo escolheu a dedo
os operadores da comissão – Marun como presidente e Arthur Maia como relator.
Na comissão há maioria, e o governo precisa apenas de maioria simples para
aprovar a proposta. Agora, em plenário, são necessários três quintos (dos
deputados, ou seja, 308 dos 513), em duas votações. Considerando a pressão
popular que haverá – porque a população vai se dar conta do quanto essa reforma
é dura, e que estão querendo fazer o ajuste somente em cima de assalariados, de
segurados da Previdência e de quem vive de prestação do Estado –, a pressão vai
ser de tal ordem que os parlamentares tendem a modificar essa proposta, tirar
os seus efeitos mais perversos. Acho que a grande disputa vai se dar, mesmo, no
plenário.
Isso sem falar na
mobilização de entidades diversas, que têm o poder de multiplicar essa
mobilização popular. A Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público), por exemplo, já se prepara para o confronto e disse que nenhum ponto
da proposta de reforma é defensável. O senhor compartilha desse entendimento?
Não chegaria a esse
exagero. Acho que há pontos que são necessários. Por exemplo, está sendo lá
cobrada a contribuição para previdência dos exportadores, que hoje são isentos
de contribuição. Isso é um absurdo! Tem que cobrar mesmo. Estão previstos
também uma série de mecanismos de fiscalização em relação a benefícios em que
há desvios, e isso tem que ser feito mesmo. Mexer em pontos para o futuro é uma
necessidade. Agora, as regras de transição apresentadas, de fato, prejudicam
enormemente os atuais segurados. Negam a eles a expectativa do direito e, mais
do que isso, o direito acumulado.
O governo Temer usa essa
reforma para beneficiar o capital financeiro?
O Michel Temer foi levado
à condição de presidente da República para alterar a agenda do governo
anterior, que era tida como intervencionista na atividade econômica, para fazer
privatizações e um ajuste fiscal que levasse ao equilíbrio das contas públicas.
Mas, como todo liberal e fiscalista, ele sempre busca, nesses ajustes,
favorecer mais o capital do que o trabalho. O trabalho é sempre mais
penalizado, e é isso o que ele está fazendo.
Quando ele propõe uma
reforma da Previdência dessa, na verdade é para economizar, fazer superávit e,
portanto, honrar os compromissos com os credores, com os títulos da dívida
pública, por um lado, e ampliar o mercado de previdência privada – porque, se
as pessoas descreem do Estado, do INSS, da previdência pública, elas vão buscar
se proteger na previdência privada. Isso é uma decorrência natural, dado o
alinhamento ideológico do governo.
No governo anterior
havia, no seu interior, uma disputa pelo orçamento público para atender
políticas de inclusão social, combater desequilíbrios regionais e de renda etc.
No atual governo essa preocupação é pequena, baixa. A preocupação maior é
garantir contratos, garantir propriedades, garantir a moeda, contratar serviços
essenciais à população no setor privado, ou seja, reduzir o tamanho do aparelho
do Estado tanto na concessão de serviços quanto no fornecimento de bens,
direitos, programas sociais etc.
É uma reforma apenas para
viabilizar o teto de gastos públicos, emenda à Constituição promulgada em 15 de
dezembro?
Rigorosamente, isso. É o
que está previsto na PEC do Teto de Gastos, que uma vez extrapolado o gasto – e
ele vai extrapolar – dispara o gatilho, tirando direito do servidor. Só tirar
direitos do servidor não vai ser suficiente para fazer o ajuste. É por isso que
a PEC da Previdência é a única política pública capaz de dar o mínimo de recurso
para fazer com que o governo possa honrar aquilo que está na PEC 55 (teto de
gastos), ou seja, não gastar mais do que o que se gastou no ano anterior,
porque aí terá que ser feito um corte duro na Previdência. E é ela que
representa um volume significativo de recursos.
Defina a proposta de
reforma em uma palavra?
Desmonte. Reforma é para
melhorar.